Minha bossa nova, ou a estética autoritária‬

rafael faria
2 min readMay 16, 2019

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A polícia cultural nazista, a Reichskulturkammer, censurava quase todo tipo de música como degenerada, geralmente pela origem (não-ariana ou negra ou judia), mas também por alguns questionáveis padrões técnicos de “arianicidade” e de tonalidade (ou não-atonalidade). E sim, João Gilberto seria preso.

A questão é que, para Hitler, a música de Richard Wagner era a encarnação do que há de mais elevado na cultura e no espírito (Volksgeist) ariano, porém sua ópera Tristão e Isolda, se não atonal, é uma grande precursora da música atonal, com seus picos seguidos de destruição de tensão, desafiando o centro tonal e quebrando as expectativas do asseado ouvinte europeu de então. A estética autoritária não se autossustenta.

Hoje, as teorias, cosmovisões, ou tradições totais que se apresentam como cristãs veem o mundo em preto e branco, têm um conceito de ordem total, apolínea, linear, racionalista, têm uma pretensão de exercer controle sobre a realidade, mas esta é multifacetada, são incapazes sequer de se relacionar com o atonal, com o pensamento selvagem, com o mistério (este último compõe o nosso entendimento e relacionamento com o divino). Não é tão diferente do nazismo.

Para o olavismo cultural, para o bolsonarismo, para toda essa nova religião política que se diz cristianismo, para a visão de mundo reacionária, autoritária e supremacista que se presume virtuosa e piedosa, se chama de “cosmovisão cristã” e se diz herdeira legítima do Evangelho, sem sequer o conhecer (pois este só é factual se e quando encarnado), eu canto: “Se você disser que eu desafino, amor…”

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